terça-feira, 24 de novembro de 2009

Corrida do Chapéu

(escrito em abril de 2007, na aula de Língua Portuguesa, com a simples premissa de possuir obrigatoriamente as palavras vovó, chapeuzinho, lobo, helicóptero e biquíni. Vamo vê no que deu...)

Vovó Madá corria pelo parque em pleno dia de chuva. Subiu as escadas aos saltos, atropelou três pipoqueiros, tropeçou numa latinha de Coca-cola light, atravessou a rua cambaleando e caiu na fonte da praça Osório. Um bêbado que passava pelo local – e que era amigo de Madá – foi até a anciã para ajudá-la a se levantar: na primeira tentativa, ele a puxou com tanta força que acabou pendendo para trás; para impedir que o bêbado caísse, ela puxou seu pescoço com o cabo do guarda-chuva que carregava, mas acabou deslizando e só não sentou-se novamente na água porque seu amigo segurou o cabo do guarda-chuva. E assim sucedeu-se a gangorra antiqueda até a força da mulher ser maior que a do bêbado e ambos se espatifarem dentro da fonte.

Passados alguns instantes, vovó Madá e seu amigo – que era conhecido como Lobo pelos longos cabelos cinzentos e as pernas finas – conseguiram se levantar, encharcados; Lobo então perguntou à anciã para onde ela ia com tanta pressa.

_É aquele maldito Helicóptero! – respondeu Madá, ainda ofegante e com muita raiva.
_Está falando do cachorro? – exclamou em tom duvidoso o bêbado, que teve sua confirmação imediatamente, com o ranger dos dentes da vovó.

O cachorro a quem eles se referiam era um vira-lata que a vizinha de Madá havia achado na rua e levado para criar. Chamava-se Hélio e era apelidado de Helicóptero por causa do movimento rápido e circular de sua cauda; era muito rebelde e pulava com facilidade a muretinha que dividia os terrenos de sua dona e os de dona Madá, sempre estragando as flores e roubando as roupas do varal da anciã – como no dia em que fugiu da casa levando a peça de cima de um de seus biquínis xadrez. Agora, ele lhe roubara um objeto que ela julgava o mais precioso de seus bens:

_O chapeuzinho da minha neta! Aquele cafajeste roubou o chapeuzinho que eu fiz ontem para minha neta! – gritava a avó, já se preparando para iniciar uma nova corrida. Lobo então se ofereceu para ajudar a amiga e correr com ela, mas foi deixado para trás no terceiro passo e resolveu ir para outra direção, caminhando larga e lentamente.

A vovó continuou correndo até chegar num ponto de ônibus e embarcar; após algumas conexões, desembarcou e entrou no Passeio Público, andando sorrateira. Um velho que estava passando pelo lugar viu Madá e se aproximou dela tentando puxar conversa; a mulher o ignorou, mas ele continuou seguindo-a até que ela parasse e começasse a gritar com o idoso:
_Você não está vendo que eu estou ocupada? Vá dar cantadas em outra pessoa!
_Está bem – responde o ancião, que puxa a bolsa de dona Madá e sai correndo. Furiosa, a vovó aperta o cachecol, amarra os tênis de corrida e vai em disparada atrás do ladrão, mas como já estava exausta, não consegue alcançá-lo.

Seu Germano, o ladrão, já pensava que havia ganhado a corrida quando levou uma cabeçada forte na barriga e capotou no chão. De súbito, a enorme fera autora da cabeçada pulou sobre seu peito, impedindo que se levantasse: era Helicóptero, o cão da vizinha de dona Madá, babando incessantemente no rosto do criminoso.

Madá chegou até os dois, pegou sua bolsa, chutou os rins do idoso e lançou um olhar condenador para o cachorro, que começava a chorar baixo, como quem implorasse por misericórdia. A avó continuou com a mesma expressão, agora com as mãos na cintura. Hélio, vendo que estava sem saída, chegou perto de uma árvore e latiu forte duas vezes; de súbito, o chapeuzinho de dona Madá caiu de cima da árvore e ela pôde pegá-lo.

_Nossa, Madá! Você é genial! – dizia uma voz bêbada próxima à anciã: era seu velho amigo Lobo, que de alguma forma chegou ali a tempo de ver o espetáculo dela e dos outros dois patetas. E ele continuou:
_Mas como você sabia que o Hélio viria até aqui com o chapéu?
Madá guardou seu prêmio na bolsa e explicou:
_Ah, esse cachorro é um danado: desde que fez amizade com uma macaca daqui, sempre leva meus chapéus pra ela...
_Então foi isso que aconteceu com o seu biquíni?
_Que nada! O biquíni ele deu pro pelicano...
_E o cachecol?
_Para os papagaios – então ela resolveu mudar de assunto – Mas e você, que faz aqui?

Lobo olha em volta, meio acanhado; depois de uma pausa, responde:
_Bom, eu ia vender isso aqui – foi tirando de dentro da jaqueta o guarda-chuva de Madá – mas como eu não quero acabar como o seu Germano, eu te devolvo – terminou, estendendo o objeto para a vovó. Ela agradeceu ao amigo com um sorriso malicioso, já que o conhecia muito bem e sabia do que ele era capaz.

Porém, quando tudo parecia ter se restabelecido, Helicóptero pula na direção do bêbado, agarra o guarda-chuva e sai em disparada. Madá, assustada, exprime um rosnado e prepara novamente os tênis de corrida.
_Pra qual animal do Passeio Público ele vai levar o guarda-chuva?- perguntou Lobo, ainda espantado com o que acabara de acontecer.
_Que Passeio Público, que nada! – dizia a avó enquanto terminava de arrumar o cachecol – O guarda-chuva ele joga lá para os peixes do Jardim Botânico!

Madá saiu a jato e Lobo foi logo atrás, resmungando:
_E lá vamos nós outra vez...

Depois que eles saíram, a paz e o sossego voltaram ao Passeio Público: as pessoas andavam tranquilas, os macacos pulavam felizes em suas árvores – cada um trajando um chapéu de cor diferente – e uma linda borboleta pousou sobre o nariz do velho Germano, que se encontrava esparramado no chão, observando o céu azul...
_Ei! Alguém poderia me levantar?

Nenhum comentário: